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30 de maio de 2012

Desnacionalização faz retroceder indústria e gera déficit externo

Nas contas externas de abril, divulgadas pelo Banco Central (BC), para uma exportação de US$ 19,6 bilhões, o saldo comercial foi de apenas US$ 882 milhões; de janeiro a abril, esse saldo caiu 33,7% em relação a 2011 – as importações, evidentemente, aumentaram bem mais que as exportações.

Por Carlos Lopes no Hora do Povo

O resultado é o déficit externo (nas “transações correntes”), em quatro meses, de US$ 17,5 bilhões (com o BC projetando US$ 68 bilhões até o fim do ano).

Para usar uma expressão simples, as contas externas estão penduradas no dinheiro especulativo estrangeiro. Até a ideia de cobrir o rombo externo com “investimento direto estrangeiro” (IDE), ou seja, vendendo mais e mais empresas nacionais, já é insustentável agora.

Não porque falte IDE no país, mas porque o rombo é crescente: aumentou 86,62% de 2008 a 2011.

Portanto, a continuar esse processo, a tendência é aumentar a dependência do dinheiro especulativo estrangeiro. O problema é que toda a propaganda do BC sobre o “colchão de liquidez”, constituído por “poderosas” reservas monetárias – em abril, estiveram em US$ 374 bilhões -, que seriam um seguro contra turbulências e ataques especulativos, não é mais que publicidade de elixir miraculoso.

Segundo o próprio BC, há US$ 571 bilhões em dinheiro especulativo estrangeiro dentro do país. As reservas cobrem um pouco mais da metade – uma situação perigosa, pois estas reservas não são constituídas pelo resultado de saldos comerciais, mas pelos dólares que os especuladores trocam por reais. Rigorosamente, não são reservas do país, mas dos especuladores.

Porém, apesar de alguns alardes na mídia, esse não é o nosso problema principal, mas os US$ 659 bilhões em “investimento direto estrangeiro” (IDE) no país. Nem a Ypioca escapou da desnacionalização. Nosso real – e cada vez mais imediato - problema é o excesso de IDE.

Depois de ler o noticiário econômico dos vários jornais nos últimos dias, e os boletins das várias entidades empresariais (os comentários econômicos da TV são perda de tempo), tem-se a impressão de que nunca houve tantos palpites sobre isso e aquilo - e tanto nervosismo inflamável.

A economia continua ladeira abaixo, apesar da redução nos juros básicos e da melhora (ainda que “tímida”, como disse uma economista) na taxa de câmbio: ninguém prevê reversão para o que houve até agora, quando o crescimento trimestral - o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre – que será divulgado pelo IBGE na sexta-feira (1º/6), foi previsto, na terça-feira (29), pelo próprio ministro da Fazenda, como ínfimos “entre 0,3% e 0,5%”. Em poucos dias, o ministro recuou duas vezes a sua previsão para o ano: de 4,5% para 4%, e, agora, para 3,5%.

Já o Banco Central (BC), na segunda-feira, reduziu sua “expectativa de mercado” de 3,09% para 2,99% de crescimento no ano - e o leitor não nos pergunte como é possível variar previsões em um décimo de ponto percentual. Mas a sinalização é clara: o BC reviu a previsão para baixo.

A indústria é o centro da questão. A queda na produção industrial em -3% no primeiro trimestre é muito ruim, mas o pior é que mascara quedas maiores: a produção de bens de capital caiu -11,4% em relação ao primeiro trimestre do ano passado e -9% em relação ao trimestre anterior. Houve quedas na fabricação de: veículos (-20,4%); máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-12,1%); material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações (-13,1%); máquinas para escritório e equipamentos de informática (-12,7%); têxtil (-7,5%); vestuário (-14,1%), comparadas ao mesmo trimestre de 2011.

O emprego industrial caiu -0,8%; a previsão da Confederação Nacional da Indústria (CNI) é que o PIB industrial do primeiro trimestre terá crescimento zero; a capacidade ociosa está acima da média histórica; e todos concordam, algo intuitivamente, que houve queda no investimento (formação bruta de capital fixo – a compra de máquinas e equipamentos pelas empresas) de uns 3% no primeiro trimestre.

Nessas horas aparecem gênios que declaram coisas como, na quarta-feira: “a indústria brasileira precisa se reinventar para aumentar a sua eficiência e competitividade”. Muito profundo, não é, leitor?

O problema da indústria nacional é que ela está desaparecendo, comprada por niágaras de IDE. O que tem resultado em remessas de lucros crescentes (as remessas totais para o exterior aumentaram 262,92% entre 2003 e 2011); importações crescentes (no mesmo período, aumentaram 368,51%, devido, sobretudo, às importações de componentes para montagem nas filiais de multinacionais); baixo investimento (as multinacionais compram o que já foi instalado e paralisam sua expansão – como no caso da produção de etanol); nenhum nível de inovação (as empresas de alta tecnologia compradas pelo capital estrangeiro tornam-se usuárias das caixas-pretas da matriz); campanha permanente contra os aumentos do salário real (como têm que remeter lucros para a matriz e exploram, como monopólios, uma faixa estreita do mercado, as multinacionais tentam reprimir os aumentos de salários); e preços de monopólio (o exemplo evidente são os monopólios da indústria automobilística, com suas caríssimas carroças com ejeção eletrônica).

Está claro, nessa breve enumeração, a relação entre desnacionalização e desindustrialização – simplesmente, a própria entrada das filiais de multinacionais onde antes havia indústria nacional, destrói partes das cadeias produtivas industriais dentro do país: o que era fabricado aqui, passa a ser importado.

O resultado geral é a estagnação e o retrocesso da indústria, e, por consequência, da economia. Esse problema, que tanto as contas externas quando a difícil situação econômica interna expressam, não vai ser resolvido com desonerações, ou com “uma política de projeção internacional e de associação no exterior”, ou por “mais incentivo do governo para fusões e aquisições”. O monopólio não é solução para os problemas do monopólio – sobretudo quando os monopólios que existem são estrangeiros, com cofres abarrotados de dólares vadios para comprar os candidatos a monopólio “nacional”.

A economista Cristina Fróes de Borja Reis frisa algo que levantamos aqui algumas vezes: o estrago causado pela casa de doidos que foi a política cambial (e de juros) no ano passado, não são consertados automaticamente por uma melhor taxa de câmbio. Nota ela que um dos elos da cadeia produtiva da indústria química, a produção de corantes e pigmentos, deixou de existir. Passamos a importar corantes e pigmentos da Índia – que passou a ser o maior produtor mundial.

Ou, um caso extremo, o da indústria eletro-eletrônica: “Antes, a indústria importava componentes que eram mais baratos e montava os produtos. Hoje, eles importam o produto pronto e revendem. A indústria virou comércio”.

A economista observa que os custos de produção da indústria têxtil são praticamente os mesmos no Brasil e na China. Quanto à mão de obra, sua participação no custo é até maior que no Brasil (34% na China, 25% no Brasil). A diferença de preços, toda, está no câmbio – acrescentamos nós: no fato da China ter-se defendido da guerra cambial dos EUA, enquanto nós não o fizemos, pelo contrário, os aumentos de juros de 2011 pioraram a situação do câmbio.

Mas há um problema na indústria têxtil, comum à indústria em geral, que no momento é gravíssimo: a maior parte dos insumos usados por ela são, hoje, importados. Por isso, a correção no câmbio acabou afetando empresas nacionais que agora não compram mais seus insumos no mercado interno. O exemplo é uma das empresas nacionais modelares, a Coteminas, a maior do setor têxtil, que vai transformar uma de suas três fábricas em shopping center.

Certamente, é preciso uma política provisória para esse tipo de problema. No entanto, é evidente que o problema somente pode se resolver com a substituição dos importados por fabricação nacional interna. O que não é, aliás, muito difícil, já que temos uma larga experiência no assunto – e uma multidão de gente que adora empreendimentos. Mas isso implica investimento e financiamento públicos dirigidos para empresas nacionais – assim como na prioridade para elas nas compras do governo.

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