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30 de dezembro de 2012

Mulheres relatam emoção do parto longe do ambiente hospitalar


Luz suave, ambiente tranquilo, recepção aconchegante. Nas paredes, fotos de mães sorridentes, crianças confortadas, pais felizes. O ar é agradável e nem de longe carrega o odor característico dos hospitais. Atenciosas, as atendentes, enfermeiras e obstetras, respondem aos questionamentos de mães e pais, ansiosos com o momento que se aproxima, além de organizarem oficinas que explicam desde os processos do parto até como fazer papinhas.

A Casa Ângela, centro de parto natural, localizado no Jardim São Luiz, região sul da capital, cumpre o ideal de proporcionar às mães um ambiente familiar em um momento tão importante: o nascimento de uma criança.
 Observando a mãe Débora e a recem-nascida Carolina, a obstetra Sylvia Maria Furquin orgulha-se do trabalho na Casa Ângela (Foto: Gerardo Lazzari/RBA)

A atriz Débora Torres estava deitada, um tanto cansada, mas tranquila e sorridente. Ao seu lado, a pequena Carolina, nascida há apenas duas horas, dormia enrolada em um cobertorzinho amarelo, com luvas e touquinha brancas e rosa. “Foi maravilhoso. Meu companheiro ficou comigo todo o tempo, eu caminhei, fiquei na banheira, recebi massagens. Sempre acompanhada por uma obstetriz. Me senti em casa e o processo foi maravilhoso. Tive duas filhas em hospitais antes, mas sentia que era muito invasivo o processo. Agora não troco a casa de parto por nenhum hospital, nem particular”, contou, emocionada.

A enfermeira obstetra Sylvia Maria Furquin, que acompanhou o nascimento de Carolina, estava radiante. “Sinto que ela me escolheu. A Débora veio aqui alguns dias atrás e eu disse, brincando, que eu ia fazer o parto. Ela chegou na madrugada, mas a bolsa só rompeu depois que eu assumi o plantão. Cada criança que nasce aqui é um pouco nosso filho também, cada dia é uma emoção”, conta Sylvia.

A Casa Ângela, batizada em homenagem à parteira Ângela Gehrke, que veio da Alemanha em 1983 para se dedicar ao acompanhamento da gravidez, do parto e do pós-parto de mulheres pobres, na região do Jardim São Luiz, zona Sul de São Paulo, é mantida pela organização não governamental Associação Comunitária Monte Azul, com apoio de parceiros internacionais. A casa foi fundada em 1997, mas Ângela adoeceu no ano seguinte, voltando à Alemanha, onde morreu, em 2000. A unidade fechou em 1999. O projeto foi retomado em 2003, mas a casa só ficou pronta em 2008. Reabriu parcialmente em março de 2009, com os primeiros atendimentos de pré-natal e pós parto, e passou a realizar partos em fevereiro de 2012.

Diversas tentativas de estabelecimento de convênios com a prefeitura de São Paulo foram realizadas. Todas sem sucesso. Com isso a Casa Ângela passou a adotar um sistema em que as mulheres que moram em outras regiões da cidade e que têm condições de pagar pelo parto custeiam os trabalhos para aquelas que moram no entorno da casa e não podem pagar pelo procedimento. Aliada ao já citado apoio internacional, a casa tem conseguido manter a equipe de seis enfermeiras obstetras, uma especialista em pré-natal, uma psicóloga, uma fisioterapeuta, cinco técnicas e uma auxiliar de enfermagem, além dos profissionais administrativos e de serviços gerais.

A casa conta com quatro quartos para parto, sendo dois com banheira, com todos os equipamentos para o trabalho de parto, como banquetas para parto de cócoras, barras de apoio, bolas e chuveiro. Além disso, tem oito leitos pós-parto, sala para recém-nascido com incubadora e berço térmico, além dos procedimentos básicos de pesagem, limpeza e exames. A casa não aplica vacinas, por não possuir licença do Ministério da Saúde. Dentre suas atividades, a casa realiza oficinas de brinquedos e de papinhas, orientação para amamentação, cursos de orientação sobre parto e pós-parto para a gestante e seus familiares, entre outras ações.

Mesmo com a problemática para atuação, a professora de português Juliana Santos é só elogios à atuação das profissionais. “Eu queria viver o parto e não lidar como um acontecimento em si. Fiz o pré-natal em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e na Casa Ângela. Na primeira era só peso, medida, 'tudo bem?' e tchau. A única vez que o médico olhou mesmo para mim foi quando eu disse que queria parir na casa de parto, que ele achou absurdo. Na Casa Ângela fazia-se isso, e também conversávamos sobre o cotidiano, as sensações, o relacionamento durante a gravidez, além dos encontros em que aprendemos a fazer brinquedos, papinhas. Isso contribui muito para essa nova identidade que teremos, porque a maternidade muda muito a gente”, destaca Juliana.

A professora não pôde ter o parto da filha Isis na Casa Ângela porque o local ainda não contava com autorização. Então procurou a Casa de Parto de Sapopemba, no bairro São Lucas, zona leste da capital, ligado à rede do Sistema Único de Saúde (SUS). “Fui muito bem acolhida. Tive liberdade para decidir como fazer o parto, que foi de cócoras. O tempo todo houve uma preocupação em me deixar à vontade, saber se queria comer, caminhar, ficar na banheira. Meu marido ficou todo o tempo comigo. Ao nascer, a Isis ficou nos meus braços e nós cantamos para ela por cerca de 15 minutos”, conta, sorridente e com os olhos marejados. Doze horas depois do parto ela já estava em casa.

Na Casa de Parto de Sapopemba o acompanhamento pré-natal se inicia na 37ª semana. A gestante deve fazer o pré-natal completo em uma UBS e, se não houver nenhum fator de risco, faz o acompanhamento final, com seis consultas em média, e o parto na Casa. A unidade possui dois quartos para parto com banheira, cinco leitos pós-parto, sala para recém-nascido com incubadora e berço térmico, além dos procedimentos básicos de pesagem, limpeza, exames e vacinas. Poderia realizar, com essa estrutura, cerca de 60 partos por mês.

Como a RBA não obteve autorização da Secretaria Municipal de Saúde para visitar a Casa, que é pública, sendo informada, inclusive, que a secretaria não coloca à disposição qualquer informação estatística, nossa reportagem fez uma visita à unidade, sem se identificar como jornalista, com o objetivo de observar o atendimento que recebem as pessoas que buscam a casa, bem como sua condição estrutural.

A monitora de transporte escolar Alessandra Gomes, que mora bem em frente à Casa de Parto de Sapopemba, teve aqui a segunda filha, Ana Clara, hoje com cinco anos. Ela conta que muitas amigas dela tiveram filhos na Casa, além de uma irmã e uma cunhada. Nenhuma teve problemas. “Eu queria ter tido o meu primeiro filho aqui também, mas por conta da asma eles me encaminharam ao hospital da Vila Alpina. O nascimento da Ana foi maravilhoso, as enfermeiras são atenciosas, eu fiz exercícios com bola, fiquei na banheira. Depois dos cuidados normais, nós dormimos abraçadas. Pouco tempo após o parto eu já estava recuperada. Se eu tiver outro filho, com certeza será aqui”, exalta-se Alessandra.

A chef de cozinha Reila Miranda, que teve a filha Maria, de um ano e meio, também em Sapopemba, iniciou um movimento para defender a Casa, organizando rodas de conversa sobre parto humanizado. “Comecei a fazer isso porque a Casa não pode se promover, a procura vem caindo. E com isso vai se justificar o fechamento por falta de procura. É uma forma de exclusão, porque as mulheres mais pobres não têm acesso a esse tipo de informação, mas a classe média cada vez mais procura esse tipo de parto, a preços altos. E aqui temos o serviço público, de excelência, humanizado e respeitoso, que querem impedir de acontecer”, afirma Reila.

Reila fez um convênio médico, depois de esperar três meses por um ultrassom na rede pública. Mas também não se sentiu acolhida no pré-natal particular. “Nunca recebi uma orientação sobre amamentação, uma conversa sobre as mudanças que eu estava vivendo. Na casa, fui bem atendida desde o primeiro momento, fui ouvida e respeitada, sou muito grata pelo carinho das profissionais. Esse trabalho precisa ser expandido”, diz a chef, referindo-se ao fato de que as casas de parto nunca foram expandidas e há uma ocultação de informações sobre parto natural na rede pública de saúde.

Para presidenta da Associação Brasileira de Obstetrizes do Estado de São Paulo, Ruth Osava, o motivo de satisfação da mães está na própria dinâmica do parto natural. “O parto natural é feito sob diversos cuidados que contribuem para o desenvolvimento do bebê, da mãe e o fortalecimento do vínculo entre os dois. A criança é muito maltratada pelo processo da cesariana, pelos medicamentos, pela retirada forçada do útero. O trabalho de parto natural prepara o bebê para a vida, é o primeiro estímulo de sobrevivência e as mães percebem a importância disso”, define Ruth.

Fonte: Rede Brasil Atual


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